GENTE DA GENTE - Professora de Literatura no Departamento de Comunicação e Letras da Universidade Estadual de Montes Claros - UNIMONTES; Mestre em Letras: Estudos Literários pela Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG; Doutoranda em Literatura pela Universidade de Brasília - Unb.

RITA - Desde quando você escreve? Como foi a sua primeira experiência como escritor?

ROBERTO MARCOS – Escrevo desde sempre, antes mesmo de ser escolarizado. Afinal, não deixo de pensar que a tarefa de escrever cumpre-se em dois momentos muito distintos. O primeiro momento terá sido destinado à coleta de toda matéria-prima possível. É quando atulhamos nossa memória com fatos, pessoas, palavras, ambientes e sensações. Mas este, admito, é um processo inconsciente; portanto, sem a preocupação com filtragens daquilo que vamos guardando vida afora. O segundo momento, este, sim, é de depuração. O escritor rumina aquilo que ele instintivamente guardou, manipulando, como um artesão, o que lhe pareça interessante e necessário.

RITA - O seu livro Verdades intoleráveis tem se tornado conhecido do grande público. Comente como foi o processo de elaboração desse texto ficcional.

ROBERTO MARCOS – Hoje sei, e preciso confessar, que o texto nasceu de uma atitude de rebeldia. Sinceramente, eu tinha tramado outro desfecho para esta história. Entretanto, lançadas as primeiras palavras, o Verdades Intoleráveis, sem que eu desejasse, ou pudesse controlar, tomou-se das minhas mãos para cumprir o próprio destino: o de ser um relato de dor. E o livro, então emancipado, nem quis saber se eu aprovava as escolhas que ele acabava de fazer... (rindo) Por isso, costumo dizer que não somos nós, os escritores, que escolhemos as histórias que escreveremos. Nós apenas as merecemos. E acreditem: não há, nesta minha afirmação, qualquer tentativa de fantasiar ou de tornar belo o que é pesaroso. É fato! Se formos merecedores, bons filhos da vida, seremos, então, escolhidos por uma boa história.

RITA - Há aspectos autobiográficos neste romance?

ROBERTO MARCOS – Sempre usamos a ficção para avantajar algo que aprovamos em nós mesmos. Também, às vezes, emprestamos ao relato aquilo que, por ventura, tenhamos rejeitado em nossa vida. É uma forma de expurgar, sem escândalos, nossas deformidades e imperfeições. Portanto, por mais que seja ficção, embora construída a partir de fatos, não tive como não buscar no lixo das minhas experiências detalhes que fortaleceram no romance esse semblante de testemunho, de coisa vivida.

RITA - De onde vieram aquelas personagens, quem as inspirou?

ROBERTO MARCOS – Até os trinta anos, dediquei minha vida a ouvir o que corria lá fora, nas ruas. Depois desta idade, comecei a ser atacado, mais fortemente, pelo eco que vinha das próprias profunduras, talvez dos meus remorsos e da minha saudade. Além do mais, é preciso acrescentar que essas personagens sempre existiram no mundo, quer seja na sua comunidade, de se ouvir falar, de se ler no jornal. O que eu não posso explicar é a razão de as quatro figuras centrais do Verdades Intoleráveis terem me marcado tão decisivamente a ponto de exigirem que eu as resgatasse do estado de plasma em que viviam. Portanto, posso dizer que elas não foram criadas. Pelo menos, não por mim. Apenas tratei de recortá-las de um cenário perdido na distância de minhas lembranças.

RITA - Apesar de ter publicado poucas das suas produções, há, como você me confessou, muitos textos prontos, ou em processo de finalização. Por que a decisão de mantê-los engavetados?

ROBERTO MARCOS – Para controlar o risco de que nasçam antes da hora. Os meus textos, depois de finalizados, cobram-me um tempo de maturação. Preciso tomar distância bastante para que os possa avaliar com um mínimo de isenção. Aliás, preciso esclarecer que, diferentemente do que se pode pensar, escrever tem muito pouco de miraculoso. Nada vem com um estalar de dedos, magicamente. Meus textos, por exemplo, cobram-me trabalho, muito trabalho, entrega ardorosa. Creio em que somente na fantasia das pessoas é que a produção de um texto possa ser algo fácil, de pouca transpiração.


RITA - Você afirma que não pode voltar ao texto, após publicá-lo, para não ser tentado a desconsiderar o seu trabalho e querer fazer tudo novamente. Por que essa “angústia” pela busca do texto perfeito?

ROBERTO MARCOS – Posso afiançar, com todas as minhas certezas, que um livro nunca fica pronto. Se ficasse, não haveria tantos livros. Tudo se esgotaria rapidamente. Publicar é uma forma de libertação. Pôr um livro a público talvez seja enfrentar o remorso de continuar vivendo sem concluir. Afinal, uma mesma história pode ser contada e recontada de muitas maneiras. E como há só uma história a ser contada, a vida, talvez o mais acertado fosse que os escritores gastássemos o nosso tempo em escrever um mesmo livro. Este delírio, quem sabe, nos possibilitasse aproximar do imaginário texto perfeito. Logo, para não sofrer pelo que nunca será concluído, nego-me a me reler.

RITA - Desde o início do século XX, muitos escritores – como Kafka, por exemplo – tem se dedicado à escrita das micronarrativas. Nas últimas décadas, tem se assistido à miniaturização dos contos e novelas na literatura – fato evidente na produção de muitos escritores reconhecidos pela crítica. O que pensa sobre essa forma narrativa?

ROBERTO MARCOS – Sou, diferentemente de Kafka, um escritor de poucos recursos. Ademais, escrevo sobre miudezas. E miudezas humanas requerem considerações demoradas. Assim, a tarefa de torná-las perceptíveis, condena-me a usar sempre grandes espaços.

RITA - Como tem sido a sua relação com o mercado?

ROBERTO MARCOS – Para ser sincero, não me preocupo com o mercado. Dou a mínima. Afinal, escritores escrevem livros; não plantam bananas! Por isso, fico confortavelmente de costas para aquilo com que este poder empobrecedor tenta influenciar a inteligência nacional. Aprendi, muito cedo, a receber com suspeita tudo o que vem das ruas. Aliás, culturalmente falando, as ruas deste país só tiveram discernimento quando, num passado já distante, cantaram “A Banda”, de Chico Buarque; ou, mais recentemente, o “Faroeste Caboclo”, de Renato Russo. Portanto, nem me abano. Recuso-me a escrever sob encomenda.

RITA - Mas não é o mercado que compra os seus livros?

ROBERTO MARCOS – Não, não é. Não se pode confundir leitores com mercado. O mercado é constituído de pessoas que compram, mas que não lêem. Muitas pessoas, sob a forte influência da mídia, teleguiadas, sem qualquer tipo de reflexão, adquirem um escritor a partir do momento em que este vira uma etiqueta, independentemente da qualidade que tenha. Gente há, por exemplo, que abarrota as suas estantes com José Saramago, sem que jamais tenha lido dez páginas de qualquer dos seus livros. Compram-no porque parece chique ou para parecer inteligente ao colega do escritório. E existem também os que lêem a partir das listas de “mais vendidos”, consumindo livros como se os livros fossem o sabonete que patrocina a novela das oito. Leitores, em verdade, comprometem-se. O mercado, não. O mercado apenas remeda.

RITA – Por que a decisão de abandonar as trilhas já conhecidas, como livrarias, cafés, etc, e vender seu livro exclusivamente pela internet?

ROBERTO MARCOS – Em princípio, nem uma escolha foi. A indústria que achata tudo, que a tudo se sobrepõe, obriga os que querem respirar, como me obrigou, a correrem por fora. Mas gostei da experiência. Já vendi mais de 12 mil exemplares do “Verdades Intoleráveis”, no primeiro semestre de 2010, usando esse recurso. Também, além das horas destinadas à produção do meu novo livro, gasto bom tempo do meu dia respondendo e-mails de leitores e interessados em meu trabalho. Uso o meu blog, http://orobertomarcos.blogspot.com/, para me expor. Sou um abridista, aceito bem o coice da contradição porque compreendo que as diferenças precisam de convivência. Logo, digo ao leitor que existo, que sou alcançável, atingível. Por isso pago o preço de fidelizá-lo ou de o afugentar de uma vez por todas... (rindo)

RITA - Que tipo de livros lê o Roberto Marcos? Como é a sua biblioteca?

ROBERTO MARCOS – Leio menos do que gostaria. Há anos não leio Gabriel Garcia Marquez que sempre leio. Mas me comprometi a voltar a ler em 2012, depois de concluir o meu novo romance, “O Pecador”. Quanto à biblioteca, não tenho mais biblioteca. As duas que tentei ter, doei. A exemplo do dinheiro, livros precisam circular para se cumprir. Escolhi, portanto, não lhes ter posse para que continuassem vivos.

RITA - Disse, em recente matéria, que as escolas prestam um desserviço ao pensamento nacional. Como explica isso?

ROBERTO MARCOS – Não as escolas como um todo. Uma partezinha, apenas. E não apenas as escolas. Em vários segmentos da inteligência nacional, há, sim, gente mofada que tenta engastalhar o futuro. A exemplo dos machadianos exacerbados e dos modernistas embolorecidos, ainda se vêem pessoas que insistem em alardear manchetes de há vinte anos como se fossem uma grande novidade. Que se atentem para o fato de que não estou, aqui, tentando desqualificar a memória nacional que, claro, é respeitável. Menos ainda atirando irresponsavelmente pelotas de barro conta a obra de Machado ou de quem quer que seja. Mas por favor, que os especialistas enceguecidos pelo passado não queiram que eu me encastele na verdade única. Afinal, custa nada abrir as janelas. (rindo)

RITA - Mas, renegando autores consagrados, não parece estar fazendo o papel que o “mercado” tanto deseja?

ROBERTO MARCOS – Não renego. Mas desejo que seja nem tanto a Deus, menos ainda ao diabo. Extremos para um lado e para o outro devem ser evitados, para que a lucidez não se arranhe e vire uma boba obsessão. É preciso, e eu admito, uma atitude preservacionista em relação ao que é bom. Mas é também indispensável que os pesquisadores saiam da cava do tempo, parem de revirar sarcófagos, e mirem o horizonte. Há muito a ser encontrado no que está por vir.

RITA - Seus textos trazem temáticas angustiantes, como, por exemplo, o incesto, a pedofilia, a exploração sexual de mulheres, o homossexualismo. Por que a sua opção em tratar desses temas?

ROBERTO MARCOS – Apesar de presente em “Verdades Intoleráveis” não são temas únicos ou preferenciais do meu trabalho. Admito que as perplexidades humanas atraem-me como um visgo. Além de tudo, a relatividade existente nessas questões ajudam-me a escrever sem incorrer no risco de dizer bobagens demais. Afinal, em se tratando de gente e suas complexidades, toda leitura que eu venha fazer se mostrará plenamente suportável.

RITA - Desde a antiguidade, discute-se muito a (in)utilidade da arte e, por conseguinte, da literatura. Para você, a literatura teria uma função?

ROBERTO MARCOS – Sigo pensando que a Literatura presta-se ao papel central de impedir que os homens desaprendam o amor e, cegamente, voltem a escolher a guerra como meio de vida.


1 comentários :

  1. Tive contato com a obra de Roberto Marcos a partir de um lik no site da Câmara Brasileira de Jovens Escritores. Pesquisei o nome dele e encontrei alguns trechos do livro Verdades Intoleráveis. Aqueles textos me tocaram tanto que resolvi procurar o livro pra comprar e consegui. Estou procurando O Pecador, mas ainda não encontrei. Gostei muito da entrevista. Confesso que me tornei um admirador desse cara!

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