Morreu o cineasta, crítico e gestor Gustavo Dahl, aos 72 anos, vítima de um infarto. Ele faleceu no domingo (26/6) em Trancoso, na Bahia, enquanto assistia a um filme. Argentino naturalizado brasileiro, Dahl foi um dos grandes teóricos do Cinema Novo e esteve a frente dos principais órgãos públicos ligados à atividade audiovisual – foi responsável pelo sucesso da Embrafilme e também o primeiro diretor-presidente da Ancine.
Dahl começou sua ligação com a história do cinema na Cinemateca Brasileira em 1958, antes de partir para a Itália, para estudar no Centro Experimental de Cinematografia de Roma, graças a uma bolsa de estudos conseguida em 1960. Lá, conviveu com os cineastas italianos Marco Bellochio (“Vincere”) e Bernardo Bertolucci (“O Último Tango em Paris”), e se tornou amigo do brasileiro Paulo César Saraceni (“Capitu”). Foi através deste que se ligou ao movimento do Cinema Novo.
Com e experiência adquirida na Itália e também num curso de cinema etnográfico em Paris, aprimorou-se como crítico de cinema. Em 1961, passou a defender – em artigos como “Algo de Novo entre Nós” e “A Solução Única” – o esquema de produção individual do “autor” com a “câmera na mão”, que marcaria o Cinema Novo. Seus textos foram publicados por diversos jornais do país e em revistas como Civilização Brasileira e a francesa Cahiers du Cinéma.
Não demorou para colocar em prática todas as suas teorias, tornando-se montador de filmes, enquanto nutria o desejo de ser documentarista.
Já em 1965 recebeu os prêmios Coruja de Ouro e Saci pela montagem de “A Grande Cidade”, de Cacá Diegues. Mais tarde, em 1974, voltou a receber o mesmo Coruja de Ouro pela montagem de “Passe Livre”, de Oswaldo Caldeira. Montou ainda “Integração Racial” (1964) de Paulo César Saraceni, “Pedro Diabo Ama Rosa Meia-Noite” (1969), de Miguel Faria Jr., e “Soledade” (1976), de Paulo Thiago.
Do projeto inicial de filmar documentários veio o primeiro curta, “Em Busca do Ouro” (1965), sobre o ciclo do ouro de Minas Gerais no século 18. Também montou, em 1970, “Tostão – A Fera de Ouro”, com depoimentos dos monstros sagrados do futebol brasileiro: Pelé, Gerson, Jairzinho e o próprio Tostão. O futebol era mesmo uma de suas paixões, e foi revisitada no documentário “Passe Livre” (1974), que montou para Oswaldo Caldeira.
A estreia em longa aconteceu com “O Bravo Guerreiro” (1968), que juntamente com “O Desafio” (de Saraceni) e “Terra em Transe” (de Glauber Rocha) formou a trilogia de filmes políticos da segunda fase do Cinema Novo. O filme de Dahl, porém, tinha um diferencial. Ao refletir o universo desencantado da juventude classe média urbana, acabou também tendo reflexos no nascente Cinema Marginal.
Logo após seu segundo longa, “Uirá, Um Índio em Busca de Deus” (1973), aconteceu a reviravolta que definiu o resto de sua carreira. Dahl assumiu, a convite do também cineasta Roberto Farias, a superintendência de comercialização da Embrafilme. Foi o começo de seu trabalho como gestor público de cinema.
Uirá, Um Índio em Busca de Deus
Dahl reformulou a área de distribuição da Embrafilme, transformando a estatal na segunda maior distribuidora do país – e isto trabalhando exclusivamente com filmes brasileiros. Graças a esse esforço, no período de 1975 a 1979 o cinema brasileiro atingiu uma marca histórica, ocupando com seus lançamentos um terço de todos os cinemas do país – feito nunca mais repetido.
Após sair da Embrafilme, Dahl foi presidente da Associação Brasileira de Cineastas (1981-1983) e realizou em 1983 o seu terceiro longa-metragem, “Tensão no Rio”.
O retorno às câmeras não durou muito. Em 1985 tornou-se presidente do hoje extinto Concine e, no final do governo Sarney, presidiu o Conselho Nacional de Direitos Autorais. Numa folga entre o trabalho burocrático colaborou no roteiro de “Bahia de Todos os Sambas” (1996), documentário sobre MPB, para o amigo Saraceni e o co-diretor Leon Hirchman.
Em 2002, com a criação da Ancine, foi nomeado seu primeiro diretor-presidente, dedicando-se à sua implantação até o final do mandato, em dezembro de 2006. Seu último trabalho foi como gerente do CTAV (Centro Técnico Audiovisual do Ministério da Cultura).
Em nota à imprensa, a Ministra da Cultura Ana de Hollanda lamentou a perda do formidável gestor. “A morte inesperada de Gustavo Dahl é um golpe profundo não só para a comunidade do cinema, como para o Brasil”, ela disse, ressaltando que o cineasta era uma “figura humana, luminosa e divertida”.
Manoel Rangel, diretor-presidente da Ancine, também se manifestou sobre o legado do cineasta. “Sua experiência e sua vida dedicada ao cinema e ao Brasil deixam lições valiosas aos que tivemos a experiência de com ele conviver e trabalhar, e são referência para aqueles que levam adiante a luta pelo desenvolvimento do cinema e do audiovisual nacional”. (pipoca moderna)
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