As tardes de domingo eram livres.
Depois do futebol tinha a sessão de "leitura do catecismo". Dos primeiros cigarros. De trocar as experiências em termos de levar vantagem nas brigas com a turma da Vila Industrial.
O campo era terreno baldio. Inclinado. Mas o vira-seis-acaba-doze resolvia qualquer desvantagem inicial.

Os catecismos eram poucos. Acabavam virando carne de vaca. Depois de certo tempo não estimulavam mais. Carlo Zéfiro era criativo. Mas la na lonjura da Vila IVG, não chegavam tão fácil. Encontrar novos números era complicado. Dependíamos de algum adulto para trazê-los.

A descoberta dos cigarros era a novidade. Moleque pra virar homem tinha que fumar. Então eram provadas as marcas da época.
Lincoln, Pulmann, Macedônia, Luxor, Douglas, Continental,...eram as mais comuns.
Tinha as marcas quebra-peito que rivalizavam com o fumo de corda. Mas essas ninguém queria ostentar. Macedônia era o máximo que se podia permitir em nossos pulmões quase virgens.

Pois Ditão chegou com uma novidade. Um cigarro feito à mão, Papel branco, um pouco maior que os normais. Fumo parecendo bosta seca de vaca. Disse que era fumo goiano. Que dava um barato, e bastava duas tragadinhas, assim ó ...que o efeito era muito bom.

Boca de Traira conhecia !!! Negrão, como o Ditão, seu apelido era mais que justo. Quando abria a bocarra os dentes pareciam uma traira pronta pra morder.

Pois ele disse que aquilo era a tal chibaba que ouvíamos falar. Ato continuo pegou o cigarro, deu as tais duas tragadas e...começou a rir. Os olhos ficaram vermelhos e acentuavam a figura da traira que ele fazia questão de ostentar.

Pois como se fosse combinação, saimos do campinho o mais rápido que pudemos.
Deixamos os dois se divertindo com a tal chibaba, que era a tal maconha com outro nome.
De Boca de Traira nunca mais soube nada depois que nos tornamos adultos.

O Ditão continuou na vila. Magro, meio leso, era um tipo chapa de caminhoneiro. Ou ajudante de pedreiro. Mas era uma figura gentil. Manso, lento no andar, nunca se envolveu em nada que fosse notável. Nem pro bem nem pro mal.
Encontrei essa figura num boteco.

Sempre que posso visito algumas pessoas na Vila. Ainda tenho ligações com esse lugar. Era o fim do mundo. Agora tem uma estação de metrô sendo construida no lugar onde antes havia um riacho.
Pois Ditão se encolheu quando me viu entrando. Chamei-o pelo apelido e ele me cumprimentou com um " como o senhor está? " O sorriso débil demonstrava que ele sentia alguma vergonha de ter me visto naquele "antro".

Puxei-o para um abraço e senti sua frágil magreza misturada com o bafo de cachaça.
Comentamos algumas lembranças de adolescentes e prometí fazer um churrasco na laje com os amigos daquela época que ainda restavam.

Passados não mais que trinta dias, voltei na vila para organizar minha promessa.
Ditão já não estaria presente. Morreu, dormindo no sofá, alguns dias antes.
Fiquei pensando se foi uma maldade tê-lo apartado da nossa convivência por causa do tal fumo goiano.

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