Zé Maria sempre foi o mais valente da turma. Não enjeitava briga. Nem quando o desafeto era maior que ele.

Usava o estilingue com pericia e maldade. Os alvos eram qualquer coisa que se movesse. Gatos, cachorros, galinhas, papagaios, nada escapava da maldosa pontaria dele.

No tempo das mamonas e dos cabuis, usava-os como munição contra as pessoas.

Qualquer pessoa podia ser seu alvo. Quando alguém o encarava para reclamar, levantava a camisa para mostrar o cabo de um punhal. Isso era suficiente para o alvo parar e repensar a reclamação.
Pela fama de Zé Maria achavam que não valia a pena. Melhor ficar com a ardência da estilingada.

A fama foi conquistada desde que a família veio morar na Vila. Espalharam que eram da Bahia, e que o avô de Zé Maria teve a cabeça cortada por ser do bando de lampião. Uma informação que beirava histórias míticas. Afinal, naqueles tempos Lampião e seu bando, eram tidos como os maiores malvados e assassinos que se poderiam imaginar. Pior até que os canibais Africanos que apareciam nos gibis do Fantasma e do Tarzan. Cangaceiros eram brasileiros e viviam lá pelas bandas da Bahia.

O punhal “herdou” do avô. Não tão grande, como nos gibis. Mas bastante convincente de sua periculosidade.

Um dia eu estava trazendo água do córrego – hoje tem uma avenida por sobre ele – em duas latas dependuradas numa vara. Era para molhar as plantas da horta que meu pai cultivava no quintal. Senti uma ardência na batata da perna. Nem precisei me virar pra saber que eu tinha sido alvo do Zé Maria. Ele estava junto com outros amigos, sentado na grama, em frente à casa do “Seo” Paulo. Coisa de dez metros de distância. No caminho arranquei uma ripa da cerca que veio com os pregos na ponta.

A primeira ripada transformou o riso amarelo em careta de dor. Acertou o braço que segurava o estilingue. O sangue esguichou e manchou a camisa que encobria o punhal. A segunda ripada não sei onde acertou, mas a ripa partiu-se e duas. A que ficou na minha mão ficou pontiaguda como lança afiada. Antes que ela atingisse o peito, minha mão foi segura por alguém que estava atrás de mim. Minha mãe, gritando, me arrastou longe, pra dentro de casa. Toda atarantada e gritando comigo, pegou uma caixinha onde guardava algum material de primeiros socorros. Ela tinha o hábito de manter a caixinha desde que fora enfermeira, na Iugoslávia. Estancou o sangue do cretino e fez um curativo possível.

Zé Maria ficou tão ressabiado com minha valentia momentânea que resolveu pedir desculpas pela estilingada. Minha mãe virou a tia preferida dele, e eu um protegido e companheiro de brincadeiras.

Fiquei sabendo que Zé Maria puxou cana diversas vezes. Num tiroteio com a polícia levou alguns tiros e uma das balas o transformou em paraplégico. Soube também que ele comanda um grupo da pesada, lá pelas bandas do Sapopemba, bairro da zona leste de São Paulo.

Um dia vou procura-lo para botar as lembranças em dia e dar um abraço num sujeito que acha que me protegeu.

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