Série de TV, caixa de CDs e relançamento de biografia abordam o mito nos 70 anos da cantora, que ainda tem material inédito

Assim como aconteceu com Elis Regina, a morte precoce de Clara Nunes reforçou a mitologia que já a envolvia enquanto brilhava em palcos e discos. Por ocasião dos 70 anos que ela completaria neste domingo — se não tivesse sido derrotada aos 39, em 1983, por uma malsucedida cirurgia de varizes —, o mito Clara será reverenciado em discos, shows, documentário, livro e no memorial que será inaugurado hoje em sua cidade natal, Caetanópolis, a 100 quilômetros de Belo Horizonte.

— As gerações mais novas vêm tomando conhecimento de Clara, há seguidores. Não vai ser em vão a beleza que ela deixou — confia o compositor Paulo César Pinheiro, que era casado com Clara e, nas últimas décadas, cedeu tudo o que possuía da cantora para iniciativas de preservação e divulgação do trabalho dela.

Quando a EMI lançou em 2004 uma caixa com todos os 16 discos (reunidos em oito CDs) gravados por Clara, Paulo César achou que a tiragem deveria ter sido maior — ele se lembra de 5 mil unidades e a gravadora fala em 2 mil. Fiava-se na histórica popularidade da cantora, a primeira no Brasil a ultrapassar a barreira das cem mil cópias vendidas de LPs e cujos números musicais eram atração frequente do “Fantástico”. A nova edição, que sairá até o fim do ano também com um nono CD de raridades, terá 2 mil exemplares, e os títulos não serão vendidos separadamente.

— Os discos da Clara devem estar sempre em catálogo. É um trabalho atemporal — diz o compositor.

A discografia poderá ficar maior do que o conjunto que vai de “A voz adorável de Clara Nunes” (1966) — um dos três da fase em que tentavam fazer dela uma intérprete apenas romântica, e não a grande sambista que se tornaria a partir de 1971 — a “Nação” (1982). O técnico de som Genival Barros tem em sua casa, em São Paulo, dois shows que gravou: “Sabor bem Brasil”, que rodou o país em 1974 e no qual Clara era mestre de cerimônias de Luiz Gonzaga, João Bosco, Waldir Azevedo, Altamiro Carilho e outros; e uma apresentação em Abidjan, na Costa do Marfim, em 1979, numa viagem de que também participou João Nogueira. Ele quer vender as fitas para a EMI, que ainda não concordou com os valores.

— Clara era fabulosa. E parecia uma gigante no palco. Gravei os shows porque sabia que eram importantes. Guardei para mim, mas, se uma gravadora quer lançá-los comercialmente, é natural que haja uma bonificação — comenta Genival Barros, de 72 anos, há 46 cuidando do som dos shows de Roberto Carlos.

Quem descobriu o material inédito foi Vagner Fernandes, autor da biografia “Clara Nunes — Guerreira da utopia”, lançada em 2007 e que, revisada e com alguns acréscimos, ganhará nova edição este ano. O jornalista também é o curador da caixa da EMI e o idealizador da série em cinco episódios “Clara guerreira”, que o Canal Brasil exibirá em novembro. Com direção de Darcy Burger, o documentário se baseia em 42 depoimentos (de Paulinho da Viola, Milton Nascimento, Alcione, João Bosco etc.) e imagens de arquivo. Um sexto episódio será um show da baiana Mariene de Castro a ser gravado em setembro, no Teatro Tom Jobim, com participações de Zeca Pagodinho e Diogo Nogueira. Ainda há o plano de se levar uma versão ao cinema em 2013.

— O reconhecimento da importância da Clara na música brasileira existe. O que eu ainda acho que não existe é um reconhecimento institucional, público, do Estado. No Rio, muito mais do que um mergulhão, deveria haver um espaço cultural com o seu nome — afirma Fernandes, referindo-se ao Mergulhão Clara Nunes, inaugurado em maio em Campinho, na Zona Norte.

Aos 81 anos, Maria Gonçalves realiza hoje um sonho acalentado há 28. Pouco após a morte da caçula de seus seis irmãos, Mariquita, como é conhecida na pequena Caetanópolis (10 mil habitantes), iniciou seu projeto de criar um memorial para guardar e expor discos, figurinos, troféus e um grande acervo de Clara. Após inúmeras negativas, ela convenceu um deputado estadual a apresentar uma emenda e garantir R$ 250 mil para a empreitada.

— Mesmo sem condições ideais, eu mostrava parte do acervo para quem vinha à cidade e perguntava por ela. Clara gostava daqui, passava todo Natal com a família — diz Mariquita, que criou Clara depois que ela perdeu pai (aos 2 anos) e mãe (aos 6); aos 15, a futura cantora se mudou para Belo Horizonte a fim de fugir de um escândalo: para proteger sua honra de moça de família, um irmão seu matou seu namorado.

Até o fim do ano, a EMI também pretende lançar em DVD um especial que Clara realizou para a TV Bandeirantes em 1973, com direção de Roberto de Oliveira. Ela é acompanhada pelo grupo Nosso Samba em músicas de Cartola, Nelson Cavaquinho, Chico Buarque e outros, além de sambas-enredo.

E o biógrafo da cantora ainda participará de shows-palestras sobre Clara. No Rio, o evento será com Rita Beneditto (ex-Ribeiro) na Miranda, no próximo dia 21.

Fonte: Jornal O Globo.

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