Por que devemos colocar a vingança na balança?
Por Pedro Ivo Rodrigues
Um tema que mexe profundamente com o emocional da vasta maioria dos seres humanos é a vingança, afinal quem nunca foi traído, ofendido, menosprezado nessa vida? A vontade de reagir intensa e imediatamente à ação prejudicial do outro se apodera da alma do indivíduo e, quando não concretizada, origina complexos, neuroses ou mesmo retraimento com conseqüente prejuízo nas relações sociais.
O sofrimento imposto por terceiros não é “privilégio” dos feios e humildes da vida. Até ricos e nobres estão sujeitos a isso, vide o sentimento de inveja que despertam por parte dos menos aquinhoados. O Príncipe Charles, da Grã-Bretanha, é um exemplo disso. Quando criança, apanhava dos colegas de colégio, que faziam troça e se vangloriavam de ter batido no futuro rei da Inglaterra. Talvez por isso, ele seja tão avesso a contatos interpessoais, diferentemente dos seus filhos, que sempre estão expostos na mídia em momentos de descontração.
No filme Desespero (2006), do mestre do suspense Stephen King, o famoso escritor Johnny Marinville, tido pelo público como herói de guerra do Vietnã, é preso por posse de maconha numa cidade situada num deserto dos EUA. A prisão, forjada pelo xerife Collie Entragian, esconde a punição ao autor por mentir aos seus leitores, uma vez que saiu correndo de um restaurante onde uma bomba havia sido instalada, sem avisar aos colegas de farda, que morreram na explosão. Johnny só pensou em salvar “o seu próprio traseiro”, uma postura que em nada se assemelha a do soldado durão e destemido que tenta vender em seus livros.
Entretanto após fugir da cadeia e depois de vários acontecimentos estranhos na cidade, Johnny e outras pessoas que haviam sido presas pelo mesmo xerife, possuído por um espírito maligno, conseguem assistir a um filme antigo que retrata o tratamento degradante imposto a trabalhadores chineses numa velha mina de ouro. Debaixo de chicotadas e coronhadas, os trabalhadores, acidentalmente, libertam um demônio que estava adormecido a milhares de anos, e que entra em seus corpos e os fazem matar os exploradores de forma ensandecida. O demônio então dizia a todos: “Eu sou Tak, o não nascido. Eu retribuo!”.
Atormentando pela culpa que carrega pela sua covardia, sempre lembrada pelo demônio, Johnny Marinville se mune de explosivos e decide “lavar a sua honra”, destruindo o lar de Tak, no que também sacrifica a sua própria vida.
A vingança é mesmo um tema que acorda as paixões mais obscuras da nossa natureza. Vale à pena? Só se a pessoa estiver disposta a pagar o seu preço, pois nada nessa vida é de graça, como diz o vilão Assef em O Caçador de Pipas, de Khaled Hosseini, outra obra que trata do assunto.
Realmente, se vingar pode custar muito caro, sobretudo se a vingança necessariamente envolve violência. É insuportável para um homem de bem cogitar a idéia de ser jogado num desses corruptos e imundos presídios que existem em nosso país, verdadeiras sucursais do inferno, onde a vida humana vale tanto quanto um cigarro. Imaginem o que é permanecer por cinco ou seis anos num ambiente onde você pode ser morto a qualquer momento, pelas razões mais banais, onde não se sabe se dormirá e acordará no dia seguinte? Somado a isso, ter que sustentar advogados e autoridades corruptas com pesados subornos, o que deixa muitos réus na miséria, e ainda por cima ficar fichado na Justiça.
Um cidadão ordeiro e integrado na sociedade não pode agir da mesma forma que o marginal, que não tem nada a perder e para quem “cadeia é hotel”. Para esse, o fim prematuro já é uma sentença da qual não pode escapar. O tribunal é o das ruas e a pena é dada não pela caneta do juiz, mas pela pistola do assassino.
O que fazer então se for insultado? Dar a outra face? Ora, a mesma sociedade que condena a vingança é a que exalta o “machão”, que não leva desaforo para casa, o cabra macho na cultura nordestina, o similar ao Dirty Harry americano, incorporado por Clint Eastwood. Virgulino Ferreira da Silva, antes de ser transformar no legendário bandido Lampião, era um católico devoto e feirante honesto, incapaz de iludir a boa fé dos clientes. Ele vendia artigos de couro e imagens religiosas nas feiras livres. Após a morte do seu pai, resultado das lutas travadas pelos coronéis do agreste, ficou alucinado pelo sentimento de revide e deu no que deu. Acabou com a cabeça decepada e exposta numa escadaria, junto com a sua companheira Maria Bonita e demais cangaceiros, em Piranhas (AL), em 1938, não sem antes fazer incontáveis vítimas em sua sanha vingativa. Um dos seus desafetos teve a garganta cortada e o coração incendiado. A outro, que não conseguiu deitar mão, matou 120 bois.
É preciso haver um meio termo entre ceder aos instintos agressivos e aceitar passivamente as afrontas. Uma postura assertiva, resistente a intimidações, mas calcada na legalidade deve buscar a solução adequada para tais questões.
A educação, principalmente a familiar, é imprescindível para que seja moldada a personalidade de um cidadão. Um lar bem estruturado e equilibrado e a educação lastreada em valores cívicos e morais é importante para a constituição do caráter do indivíduo e sua conduta social.
No lugar da valentia, creio ser mais importante estimular a cidadania.
Pedro Ivo Rodrigues é jornalista, formado em Comunicação Social pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB). Email: [email protected]
0 comentários :
Postar um comentário
Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.